segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Conversa de adotivo: Ricardo Fischer, do “Filhos Adotivos do Brasil”

Filho adotivo, José Ricardo Fischer buscou sua mãe por mais de 20 anos até encontrá-la. A busca pode ter sido demorada, mas era apenas o início de um algo muito maior: a partir de então, ele tem dedicado sua vida a promover encontros de adotados com suas próprias histórias e passado. É claro que foi entrevistá-lo, como parte da pesquisa para livro que estou preparando sobre tema - e compartilho com você os destaques desse bate-papo. 

Mesmo ganhando a vida com trabalho em vendas, Ricardo Fischer, que hoje tem 46 anos, é o responsável pela Associação Filhos Adotivos do Brasil, uma entidade que, entre outras funções, destaca-se por realizar buscas de filhos adotivos com seus pais e outros parentes biológicos. A associação já promoveu 428 encontros desde sua criação, em 2007. Carente de recursos, a entidade trabalha com mais seis voluntários. “No último ano, fizemos apenas 36 encontros, pois muitas vezes acabo bancando algumas despesas com meu próprio orçamento pessoal. Alguns casos se resolvem com um simples telefonema, outros enfrentam burocracias custosas, que andariam muito devagar se dependêssemos somente do recurso público”, explica Fischer. Atualmente, há mais de 2.500 filhos adotivos cadastrados na fila de buscas.


Mães que abandonam

Encontro Ricardo Fischer num café do Mercado Público de Porto Alegre. Ele tem aquele jeito de falar olhando nos olhos, baixando a cabeça e mirando no hiato entre os óculos de grau e a sobrancelha. E também parece ter uma paciência infinita: não se importa em contar a história de sua própria busca pelos pais biológicos, que já deve ter repetido milhares de vezes.

“Um preconceito muito presente quando falamos disso é sobre as mães abandonantes, demonizam-se as mães, é preciso ter cuidado com isso”. Sim, é até difícil de imaginar, ou então lembrar, que há não muito tempo atrás, cerca de 20 ou 30 anos, a gravidez de uma menina de 16 anos era como uma condenação à penúria pelo resto da vida. Quando não eram expulsas de casa em favor da “honra” da família, milhares de brasileiras eram coagidas a fazer aborto ou então cumprir sua gestação em outra cidade e entregar o bebê para a adoção.

A mãe de Ricardo Fischer era uma dessas tantas meninas que teria condições financeiras de criar seu bebê e que, no entanto, acabou entregando-o para adoção devido às imposições morais. Aliás, no caso de Ricardo, sua mãe acabou entregando não apenas um, e sim dois filhos para a adoção. “Só quando encontrei minha mãe biológica descobri que tinha um irmão gêmeo... é provável que sua adoção tenha sido ilegal, por isso não consigo encontrá-lo”, ele revela com certo pesar antes de pedirmos mais um café para estendermos a conversa.

Adoção na imprensa

É nesse momento que me sinto à vontade para contar minha profunda irritação sobre a maneira piegas como tema da adoção é tratado nos meios de comunicação. “Nem me fala, também fico cansado com essa história de ‘filhinho do coração’, de pintar como se tudo fosse fácil e lindo”. De fato, a adoção parece ser tratada principalmente cm matérias voltadas a encorajar casais a adotarem, amenizando a carga sobre as dificuldade e peculiaridades dos adotados, o que eu faz deste grupo de pessoas se sentirem até mesmo culpados quando sentem necessidade de buscar suas origens.

Há alguns meses, Fischer teve oportunidade de ser entrevistado pela equipe do canal de televisão mais popular do Brasil. A entrevista seria exibida num programa de uma ex-animadora de palco infantil. “Fui entrevistado durante horas e toda minha energia foi no sentido de mostrar o lado solitário do adotivo, o momento em que se desperta a busca e suas dificuldades”, ele me revelou – e também não deixou de revelar certo desapontamento ao ver que nada disso foi ao ar.

Além do temor de que uma abordagem menos eufórica sobre adoção possa afugentar casais que queiram adotar, nossa conversa chegou em outro ponto que explicaria tais abordagens: a dificuldade do adotivo expressa seu sentimento em relação a sua condição. “É uma sensação muito difícil de explicar para quem não viveu essa experiência.”, diz Fischer num suspiro. Talvez seja até mesmo impossível. Mas vamos morrer tentando. 

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