segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Mito: isso de ser adotado não tem importância


Já comecei este primeiro parágrafo algumas dezenas de vezes durante as últimas três horas, e não está sendo difícil apenas porque o tema a ser tratado é complexo e me toca profundamente. O "problema" é que dar continuidade nas postagens sobre adoção significa... bom, significa simplesmente dar continuidade em alguma coisa, e pode crer que aí mora o grande desafio.

Para explicar melhor este início truncado, e já me aproximar do que quero tratar, conto que passei muitas horas do último ano falando de maneira descabida e alucinada sobre um divã para chegar perto de algo realmente curioso: descobrir que passo grande parte do meu tempo trabalhando contra mim e dando um jeito de frustrar qualquer projeto importante ou por mim estimado. É claro que nada disso era assim consciente e foi bem chato, cansativo, demorado e caro chegar a compreender isso. E o pior: compreender é só o início do trabalho.

Mas vou poupar o leitor de tornar esta postagem ainda mais pessoal. De tudo isso, o que realmente importa é deixar claro que esse detestável comportamento tem uma estreita relação com o fato de ter sido adotado. Também é preciso ficar bastante claro que isso não é uma regra que acontece com todos  filhos adotivos, e poderia até mesmo não ter acontecido assim comigo caso outras circunstâncias não tivessem se agregado a essa história.

A conclusão que nos inetressa disso é a seguinte: se o momento presente fosse resultado de uma equação, o fato de ter sido adotado seria uma variável bastante significativa nesse processo. O quanto esta variável pode pesar na vida de qualquer adotado é algo relativo, no entanto, esta variável jamais abdica de sua presença e, sinceramente, não sei até que ponto ela pode se aproximar de ser nula.

E (finalmente!) abro isso tudo para combater um mito relativo à adoção que é poucas vezes questionado e está presente em frases como “essa história de ser adotivo não tem importância nenhuma” ou “adotivo é apenas um rótulo, que não precisa e nem deve ser citado”. Entendo que este mito tenha se desenvolvido para proteger as crianças e suas famílias de preconceitos como “adotado não é filho de verdade” ou que “todo filho adotado será uma criança-problema”. O problema é que tratando as coisas desse modo, acabamos chegando num outro extremo, igualmente perigoso e perverso.

É claro que todo filho adotivo merece e é legalmente amparado para ser tratado como “filho”. Seus laços afetivos com os pais não diferem dos laços afetivos de crianças criadas por seus pais biológicos. No entanto, não podemos negar que o adotivo teve uma história diferente, na maioria das vezes, do restante das crianças de seu convívio. E saber de sua própria história é importante para a construção de qualquer indivíduo – não seria diferente para nós.

Assumir essa diferença não é colocar filhos adotivos em posição de destaque ou de demérito, é simplesmente respeitar sua singularidade. Repassando alguns artigos acadêmicos a respeito do assunto, descobri que é relativamente comum o fato de indivíduos adotados na infâncias adentrarem a casa dos quarenta anos ou mais e só então se permitirem buscar seus antepassados biológicos. Grande parte destes só fizeram isso depois de seus pais adotivos morrerem, pois temiam que essa busca pudesse magoá-los. Passaram a vida inteira tentando acreditar que “isso de ser adotado não tinha importância nenhuma”, mas felizmente sucumbiram à verdade.

Tal preconceito chega ao extremo de algumas mães adotivas se sentirem alarmadas ao verem colunistas de jornais legendarem fotos com algo como “tal celebridade foi fotografada com seus filhos adotivos”. Nem sempre rotular alguém como adotivo é necessariamente negativo, ao contrário, demonstra como a prática da adoção está presente na vida de pessoas que podem servir como exemplos inspiradores. Obviamente, o jornalista poderia omitir que a peculiaridade destas filiações, mas creio que temos mais a perder do que a ganhar com isso.

Precisamos fazer uma escolha: ou admitimos que o fato de sermos criados fora de nossa família biológica é importante e traz singularidades (para o bem ou para o mal) ou então tratamos isto como algo irrelevante e nos calamos. Tenho certeza que muitos estão comigo na primeira opção.  

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