Já comecei este primeiro parágrafo algumas dezenas de vezes durante
as últimas três horas, e não está sendo difícil apenas porque o tema a ser tratado é complexo e me toca profundamente. O "problema" é que dar continuidade nas postagens sobre adoção significa... bom,
significa simplesmente dar continuidade em alguma coisa, e pode crer que aí
mora o grande desafio.
Para explicar melhor este início truncado, e já me aproximar
do que quero tratar, conto que passei muitas horas do último ano falando de maneira descabida e alucinada sobre um divã para chegar perto de algo realmente curioso: descobrir que passo grande
parte do meu tempo trabalhando contra mim e dando um jeito de frustrar qualquer
projeto importante ou por mim estimado. É claro que nada disso era assim
consciente e foi bem chato, cansativo, demorado e caro chegar a compreender isso.
E o pior: compreender é só o início do trabalho.
Mas vou poupar o leitor de tornar esta postagem ainda mais
pessoal. De tudo isso, o que realmente importa é deixar claro que esse
detestável comportamento tem uma estreita relação com o fato de ter sido
adotado. Também é preciso ficar bastante claro que isso não é uma regra que
acontece com todos filhos adotivos, e
poderia até mesmo não ter acontecido assim comigo caso outras circunstâncias
não tivessem se agregado a essa história.
A conclusão que nos inetressa disso é a
seguinte: se o momento presente fosse resultado de uma equação, o fato de ter
sido adotado seria uma variável bastante significativa nesse processo. O quanto
esta variável pode pesar na vida de qualquer adotado é algo relativo, no
entanto, esta variável jamais abdica de sua presença e, sinceramente,
não sei até que ponto ela pode se aproximar de ser nula.
E (finalmente!) abro isso tudo para combater um
mito relativo à adoção que é poucas vezes questionado e está presente em frases
como “essa história de ser adotivo não tem importância nenhuma” ou “adotivo é
apenas um rótulo, que não precisa e nem deve ser citado”. Entendo que este mito
tenha se desenvolvido para proteger as crianças e suas famílias de preconceitos
como “adotado não é filho de verdade” ou que “todo filho adotado será uma
criança-problema”. O problema é que tratando as coisas desse modo, acabamos chegando num outro extremo, igualmente perigoso e
perverso.
É claro que todo filho adotivo merece e é legalmente amparado
para ser tratado como “filho”. Seus laços afetivos com os pais não diferem dos
laços afetivos de crianças criadas por seus pais biológicos. No entanto, não
podemos negar que o adotivo teve uma história diferente, na maioria das vezes,
do restante das crianças de seu convívio. E saber de sua própria história é
importante para a construção de qualquer indivíduo – não seria diferente para
nós.
Assumir essa diferença não é colocar filhos adotivos em
posição de destaque ou de demérito, é simplesmente respeitar sua singularidade.
Repassando alguns artigos acadêmicos a respeito do assunto, descobri que é
relativamente comum o fato de indivíduos adotados na infâncias adentrarem a casa
dos quarenta anos ou mais e só então se permitirem buscar seus
antepassados biológicos. Grande parte destes só fizeram isso depois de seus
pais adotivos morrerem, pois temiam que essa busca pudesse magoá-los. Passaram
a vida inteira tentando acreditar que “isso de ser adotado não tinha importância
nenhuma”, mas felizmente sucumbiram à verdade.
Tal preconceito chega ao extremo de algumas mães adotivas se
sentirem alarmadas ao verem colunistas de jornais legendarem fotos com algo
como “tal celebridade foi fotografada com seus filhos adotivos”. Nem sempre
rotular alguém como adotivo é necessariamente negativo, ao contrário, demonstra
como a prática da adoção está presente na vida de pessoas que podem servir como exemplos inspiradores. Obviamente, o jornalista poderia omitir que a peculiaridade
destas filiações, mas creio que temos mais a perder do que a ganhar com isso.
Precisamos fazer uma escolha: ou admitimos que o fato de
sermos criados fora de nossa família biológica é importante e traz
singularidades (para o bem ou para o mal) ou então tratamos isto como algo
irrelevante e nos calamos. Tenho certeza que muitos estão comigo na primeira
opção.
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