sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Pingue-pongue com o abismo

Jogar pingue-pongue com o abismo pode parecer algo absurdo (mesmo porque é algo absurdo). No entanto, a maioria dos adotivos com os quais venho falando faz isso há décadas. Às vezes vidas inteiras – e é nesse time que me incluo.

Ando  conversando com uma menina do norte do país, que vem buscando sua mãe biológica há alguns anos. Apesar de nossa conversa se restringir a mensagens de chat, percebi que ficou bastante feliz em me encontrar. Dividiu logo várias angústias e contou sua história com uma coragem que eu não teria. Ironicamente, as pessoas ao redor dela pouco ou nada sabem de tudo isso, e até mesmo o marido não acompanha seus passos, já que para ele o assunto parece apenas um pequeno capricho.

É um comportamento que se repete ao longo dos anos. A maioria dos casos que encontro são de pessoas que não conhecem seus pais biológicos, ou seja, pessoas que não têm para quem perguntar “fui abandonado por desleixo ou encaminhado por amor para uma vida melhor?”, “que circunstâncias fizeram com que eu não pudesse ficar com minha família de origem?” e “por que ao menos não me procuram para saber se estou bem?”.

Por medo de magoar ou pais adotivos  ou parecer ingrato, muitos não dirigem essas perguntas a eles também, e o novelo vai se enredando. As perguntas vão e não voltam. Os saques partem para lugar nenhum e, como resposta, você mal ouve a bolinha quicar num vale profundo.

O fato de podermos nos encontrar através de comunidades e da internet tem sido fundamental para deixarmos de brincar com o abismo, e agora encontrar compreensão e amizade como resposta. Comunidades em mídias sociais e fóruns espalhados pela internet estão acessíveis em qualquer computado com acesso a rede. Vai deixar de abrir essa caixa de Pandora?

***

Termino essa postagem no meu horário de almoço do trabalho, bem longe daquele noite quente em que pregava os fones nos ouvidos para escrever. E – maravilha! – começa a chover para amainar o calor portoalegrense. Tudo isso me lembra que as coisas tem um ciclo, e que fazemos parte dele. Espero poder voltar com mais frequência aqui para contar mais do que venho conhecendo e descobrindo nessa vida.

Na medida em que os sinais começam a ganhar forma, o desenho dos passos denuncia um mapa da cidade que amanhece, e o labirinto se dissolve nos grãos de areia de um antigo deserto. Arranquei os pregos da cruz e em cada esquina há alguém querendo comprá-los. Transformar um torrão de ferrugem em ouro pode não ser tão complicado quanto parece, se você souber falar as palavras certas – e não queira guardá-las para si.

Ilustração de Fabiano Gummo



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