quinta-feira, 5 de abril de 2012

Chimia Geral: Paralelo 30 com Juarez Fonseca

Nessa semana – para ser mais exato, na última segunda-feira – inventei de me meter no estúdio da Ipanema FM com o Fabio Godoh para curtir mais um Chimia Geral. Não sei quanto tempo faz que não aparecia lá, mas sei que dei sorte na hora de voltar: nessa noite, Godoh tinha convidado Juarez Fonseca para ouvir o disco Paralelo 30 – num elepê que parecia saído de túnel do tempo de tão conservado e que o Fabio diz ter encontrado na sua casa, embora eu desconfie que tenha sido roubado de algum desavisado colecionador.

O fato é que Paralelo 30 só nasceu por conta do olhar atento e da produção ativa do jornalista e crítico musical Juarez Fonseca. O álbum reúne seis artistas que marcam a história da música popular gaúcha: Bebeto Alves, Cláudio Vera Cruz, Nelson Coelho de Castro, Carlinhos Hartlieb, Nando D'Ávila e Raul Ellwanger. Enfim, não há muito mais que eu possa dizer que esteja à altura da parada, ouça você mesmo no fim desse post.

Confira aí trechos mais significativos da entrevista:

Paralelo 30

O Paralelelo 30 surge num momento em que o Rio Grande do Sul estava tomando consciência da sua própria realidade musical. Os seis compositores que estão nesse disco trafegavam pela MPB, samba, rock, música regional do RS – não a música regionalista, mas a música com um pé no folclore. A consciência regional está se descobrindo naquela época, porque até então não tinha muita música com personalidade vinda daqui, observando aqui. E esse disco tentou reunir as pessoas que estavam fazendo isso. A gente estava inaugurando o estúdio da ISAEC, onde ele foi gravado, então os técnicos estavam também experimentando, se familiarizando com a mesa de gravações que tinha chegado recentemente da Alemanha. Foi o primeiro disco gravado no Rio Grande do Sul com um acabamento “exportável”.

Juarez Fonseca e o Paralelo 30

As gravações do disco começaram em 1978 e eu estava na Zero Hora desde 1972, então eu já estava acompanhando o que acontecia nessa cena há algum tempo. Era um movimento musical que vinha crescendo, mobilizando músicos e público. Eram os músicos descobrindo que havia público e o público descobrindo que havia músicos. E também tinha eu e outros jornalistas no meio dessa relação. Mas eu sempre me considerei, e continuam me considerando como um representante dessa turma dentro do jornal. Eu certamente era um militante desse movimento, nunca tive um distanciamento crítico. Eu assumi esse papel porque quis, nunca tive um editor-chefe me dizendo o que eu deveria fazer, eu fiz porque eu era dessa turma. O Carlinhos Hartlieb, por exemplo, foi meu colega de faculdade. Então eu convivia com todos eles, e eles estavam num momento em que todos faziam música identificado com o Rio Grande do Sul, aí eu propus para o Geraldo Flach de fazer esse disco, e ele topou na hora.

Jornalismo cultural engajado hoje

Eu acho que ainda é possível, depende muito do esforço pessoal. Se o cara realmente quiser, tiver personalidade, tiver uma maneira de se colocar e pressionar – no bom sentido, não no sentido puramente agressivo – ele pode fazer isso. Acho inclusive que existem muitos bons jornalistas que conseguiram espaço na imprensa gaúcha criando esse espaço, forçando, furungando, fazendo... Mas tem que querer, no caso da música do Rio Grande do Sul, talvez não haja muita gente que queira realmente fazer isso. Não vejo muitos jornalistas prestando atenção no que está acontecendo aqui, e se o cara não presta atenção no que está acontecendo aqui, ele perde as referências e também as próprias coisas perdem a possibilidade de ganhar mais visibilidade. Eu acho que o jornalismo tem que ser ligado ao seu espaço, como, por exemplo, uma rádio de Porto Alegre deve tocar música de Porto Alegre, não exclusivamente música de Porto Alegre, mas também música de Porto Alegre.

Esquizofrenia sul-riograndense

Todo dia eu penso nisso. Eu sou gaúcho e gosto de ser gaúcho, ao mesmo tempo em que tem tanta coisa daqui que eu não consigo engolir, como gente que age desse jeito “o Rio Grande me basta”. Eu não vejo muita vontade de mudar isso. Por exemplo, para mudar a margem do Guaíba demora 30 anos, em outro lugar demora cinco. Tudo é difícil, sempre tem alguém pentelhando, é tudo grenalizado, é tudo sim ou não, chimango ou maragato, lenço branco ou vermelho. Não são lados que trabalham juntos. A cultura do Rio Grande do Sul está ligada também a isso. Se alguém faz sucesso nacional, aqui já não se gosta mais porque aí “se vendeu para o Brasil”... Eu não sei porque é assim ou qual é a solução para isso, mas me angustia que seja assim. Eu acho que o Rio Grande do Sul tem que se confrontar contra ele mesmo. Há algum tempo atrás eu participei de alguns programas de rádio em que volta e meia essa discussão aparecia, e sempre que eu manifestava minha opinião, muita gente ligava dizendo “se tu não gosta, te muda daqui!”. A reação não é de alguém querer discutir, é uma reação de quem não quer melhorar, de quem quer ficar na bosta. Agora, quem não pensa assim deve confrontar esse tipo de mentalidade.

Rio da Prata: interação cultural Brasil-Uruguai-Argentina

Essa combinação com o Prata veio mais tarde, depois do Paralelo 30. Até então tinha essa coisa geopolítica, dos militares serem adversários, embora fossem ditadores de ambos os lados. Tinha essa rivalidade entre Brasil e Argentina, coisa inimagináveis como aquela história da bitola do trilho do trem que mudava na fronteira, para o trem não conseguir cruzar de um país para outro. Eu acho que isso já começa a acontecer, com músicos como o Vitor Ramil, com discos gravados na Argentina e lançados lá – ele inclusive acabou de voltar de shows na França e em Portugal acompanhado do violonista argentino Carlos Moscardini; o Arthur de Faria tem a plurincional Surdomundo Imposible Orchestra; muitas peças de teatro vêm para cá durante o Porto Alegre em Cena. Há um intercâmbio muito maior do que em qualquer outro momento. Tem também o Richard Serraria com o Pampa Esquema Novo, com vários músicos da Argentina e Uruguai, o disco foi gravado nos três países e se refere a isso. Mas foram muitos anos de discórdia, então não é de uma hora para outra que vai haver uma nitidez nisso tudo. Por exemplo, isso de os argentinos passarem o veraneio em Santa Cataria e Rio Grande do Sul é uma coisa muito recente, de uns 20 ou 30 anos para cá, o que não é nada em uma escala de tempo histórico. Com a democratização e com o Mercosul, essas coisas irão se desenvolver e melhorar, mas já estão muito melhores do que antes.

Ouve aí:


Chimia Geral Ipanema FM by Juarez Fonseca on Grooveshark

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