quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Como me sinto por ser adotiva...

Não sou psicologa, psiquiatra, religiosa fanática ou jornalista, mas essa dor eu conheço: como filha adotiva, tenho o conhecimento provocado pela dor do abandono, justamente na prática.  Só posso falar por mim, embora acredite que esse sentimento seja comum em filhos adotivos.

Infelizmente, a imprensa sempre (esse é meu entendimento) expõe o lado fantasioso da adoção, aqueles pais perfeitos, com maturidade suficiente, formação profissional, casamento duradouro, estabilidade financeira ( jamais falam da impossibilidade deste casal ter seus próprios filhos biológicos e dos conflitos emocionais que podem ser gerados por isso,  embora eu saiba que existem casais com filhos biológicos que adotam). Muitas vezes esse casal passou por inúmeras tentativas de tratamentos, do luto do filho esperado (boa parte dos casais que adotam sonham com o filho biológico, é necessário viver o luto desse filho, para que assim possam receber o filho adotivo sem expectativas impossíveis). 

É também necessário aceitar que aquela criança tem uma mãe biológica, um pai biológico e uma historia, uma origem, negar essa origem é como negar a própria vida. Sempre digo, se existe adoção, é porque houve um abandono, uma ruptura... E do outro lado temos a mãe biológica, que pela maioria das pessoas é vista como a mãe desnaturada, que não tem amor, que só serve para parir... Mas as pessoas esquecem do principal:  da criança que foi abandonada (jogada em calçada, lixo, deixada na porta, na rua) ou entregue a adoção (onde há um cuidado por parte da mãe biológica com a segurança daquela criança).

O filho adotivo geralmente passa por diversas fases em sua vida. Eu, por exemplo, desde pequena sempre tive a certeza de que faltava algo, alguém em minha vida, lembro que aos 4 anos de idade, deitada na cama com minha mãe adotiva, eu a abraçava e ficava olhando sua barriga e seu peito, ali mesmo, eu tinha certeza de que jamais estive ali dentro, em seu útero, e que nunca havia sido amamentada, bastava olhar, era como se um anjo me dissesse... Eu sempre perguntava sobre parto, sobre meu nascimento (e olha que sou parecida com meu pai adotivo, fisicamente). É difícil explicar essa sensação, apenas filhos adotivos compreendem - é como pedir para uma mulher imaginar a dor de um parto. É uma dor em que não existem palavras para descrever, essa é a dor do abandono. Mas, como disse, tudo isso tem fases... Na adolescência eu já estava bem mais desconfiada de que era adotada (nunca tive dúvidas), foi a época em que me questionava o que levava uma mãe a abandonar a própria filha. Cheguei a sentir raiva, não é bom ser abandonada, ninguém quer passar por isso, mas ai o tempo passou e muita coisa mudou.

Levei 26 anos para perdoar minha mãe biológica, hoje sou mãe e compreendo a dificuldade em criar um filho. A dor não passa, mas a gente aprende a conviver com ela e a transformá-la em coisas boas, positivas. Procuro minha mãe biológica e já fui muito criticada isso. Não ligo: vou continuar minha busca. Quem não tem passado, não vive o presente, e quem não tem presente, não projeta o futuro. Eu me sinto como alguém que não passou pelo parto, eu não nasci, é como se o abandono tivesse deixado em mim o sentimento de uma brusca ruptura. Alguém escolheu por mim, algo que jamais escolheria. Encontrá-la é refazer esse caminho, só que dessa vez de uma forma diferente, onde eu possa escolher o final dessa historia.

(*) O relato acima é da leitora Clarisia Laiana Tavares, que passou por uma adoção "à brasileira", ou seja, uma adoção ilegal, o que gera enormes dificuldades para resgatar seu passado. Se você pode ajudá-la nessa busca, entre em contato clicando aqui.

(**) Inúmeros agradecimentos por seu relato, Clarisia. Se você, leitor, também tem um relato pra compartilhar, deixe um comentário ou entre em contato pelo alexandrelucchese@gmail.com.

(***) Como você já deve ter percebido, as postagens está mais escassas na última semana. Peço desculpas pela interrupção, e aviso que elas voltarão com mais força a partir do dia 11 de novembro, por questões profissionais. Agradeço imensamente a compreensão e volto sempre que possível antes desta data.

Forte abraço e até a próxima!

3 comentários:

  1. Torcendo pra que esse projeto ganhe força, amadureça, pra que possamos discutir de forma clara e objetiva o tema da adoção. Parabéns ao Alexandre e Clarisia pela iniciativa.

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  2. Jamais tive mágoa ou raiva da minha mãe biológica. Antigamente uma mãe solteira era execrada pela familia, ou internada em conventos, abandonada sem piedade nem centavos no bolso. Nao haviam planos sociais, assistenciais, nada.
    Sabe-se lá a que preço ela se separou de mim. Ou talvez ela tenha se livrado de um fardo, não sei.... do pouco que sei, eu estava morrendo de infecção e inanição. Meus pais adotivos nao foram maravilhosos, mas foram os melhores que puderam ser. Ao me doar, ela me deu a vida de volta, pois tive a oportunidade de ter educação, saúde, uma familia e felicidade.
    Sabe-se lá o que teria sido de mim sem a doação. Ja la se vão 54 anos... acho que ja estaria morta ha pelo menos uns 50 anos rsrs
    Hoje estão todos mortos. Mas espero que estejam num bom lugar.

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