segunda-feira, 26 de março de 2012

Bolor envernizado: Roger Waters em Porto Alegre


Ontem estive no estádio Beira Rio para ver o tão esperado show de Roger Waters, o homem de frente do Pink Floyd durante tantos anos. Não tenho como dizer de outro modo: saí com uma péssima impressão daquilo tudo. Para falar bem a verdade, me senti enganado. A desorganização por parte dos produtores do espetáculo contribuiu para isso; porém, o mais grave foi o espetáculo em si - acabei descobrindo que eu realmente não admiro de Roger Waters.

Vamos começar pelo mais simples: a produtora que trouxe o artista abandonou o público diante do estádio. Havia apenas um posto de informação, permanentemente desocupado e não vi ninguém da produção durante todo o tempo que passei na fila (das 17h às 19h20m). Não havia orientação das filas e o próprio público teve de se organizar para evitar os furões e dar informações aos passantes. Disso resultou um atraso de 40 minutos para que Waters entrasse no palco. No final, os produtores nem se deram o trabalho de abrir os portões de acesso à avenida para o público sair (mais uma vez foram os fãs que tiveram de arcar com o trabalho).

Mas realmente pobre foi o espetáculo. Pobre de espírito, que fique claro, já que riqueza material era um dos maiores atrativos da noite. O show de Roger Waters é uma grande reunião dos mais requintados produtos da sociedade tecnocrata, usados para tentar tecer uma crítica contra ela. Não me venha com o velho argumento de "combater o sistema dentro do sistema" - não vou entrar no mérito se isso é valido ou não, o problema é que o discurso em si é tão fraco que só se sustenta por conta dessa massa de playbacks, telões, projeções e pirotecnia.

O truque de Roger Water para fazer a massa sair de lá satisfeita é tentar reconstruir a inocência da plateia, como se fossem crianças sem a altura e a força dos monstros gigantes e abstratos que dominam, pervertem e sujam este ancestral jardim das delícias no qual habitamos. Ver-se pequeno e frágil diante do espelho é ruim, mas tem a vantagem inquestionável de eximir a audiência de algo incômodo e pertubador: a responsabilidade.


Nessa Disney On Ice em embalagem politicamente engajada, não poderia faltar a emoção barata e o moralismo. O show foi dedicado aos que sofreram com o terrorismo de estado, com direito a projeção de imagens de civis assassinados - não sei não, mas fazer espetáculo da dor alheia é algo que me constrange. Sim, não vamos esquecer que The Wall está longe de ser um projeto filantrópico e é uma máquina de fazer dinheiro - este espetáculo está a serviço de alguém, e eu custo muito a acreditar que seja ao teu ou ao meu serviço.

A essa altura, Roger Waters tem um desafio para completar seu discurso de maneira convincente: como lidar com adultos - seres tão igualmente capazes e responsáveis por esse mundo como os monstros gigantescos representados no show - de maneira a lhes fazer crer que são tão inocentes, menores e incapazes. A solução é simples: vender o sexo com algo perigoso e até mesmo sujo. A mulher sensual é representada como um passaporte para a perdição. Guarde seus instintos numa caixa e pratique o amor com disciplina, é o que está nas entrelinhas. Não é difícil de entender porque Waters nunca aprendeu a cantar direito ou a ser virtuoso em algum instrumento: não foi por falta de talento, e sim por medo de deixar fluir essa enorme libido que há dentro de si, e que seu ex-parceiro de banda, David Gilmour, sabe usar de maneira tão libertadora.

Aliás, quando o David Gilmour vem pra cá?

Fotos de Carlos Varela.

15 comentários:

  1. Hahaha! Valeu, Gabi!!! Não consegui me conter!

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  2. Quanta frescura cara... Chegou as 17hs e queria mamata.? Acho que tu viu esse show com muito odio no coração. Uma opera rock de 40 anos, seguida a risca por um Roger Waters representando um personagem, e tu esperava o que.? Bono Vox.? Honestamente, não vimos o mesmo show. Ou nossos espiritos viram espectros diferentes no palco.!

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    1. Que bom q tu curtiu, Cocoon! Agora estou devendo uma ida para Curitiba, meu velho. Tomemos uma gelada e falemos de papos espectrais - se não for aí, lá na terrinha!

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  3. Querendo midia. O velho critico de música buscando a contramão da sociedade! Moralismo? Emoção barata? Lamentavel cara. O show é uma obra atemporal, as guerras nao terminaram,o consumismo desenfreado tambem nao, mas a velha turma dos chatos continua sendo do contra, tentando midia e conseguindo por que olha eu aqui perdendo tempo. A velha turma que nao aceita o outro protesto, que reclama até dos que reclamam a mesma coisa.... Que quando conseguem o que querem mudam de opinião pra continuar reclamando....mas de qualquer forma me ensina aí a protestar!

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  4. Ser o único a escrever algo não prova genialidade nem mesmo qualidade. Geralmente mostra exibição barata. Falta conhecimento de causa e estudo.

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    1. Oi Lucas,

      obrigado pelo comentário.

      Acho importante deixar claro que não sou crítico de música ou de qualquer outra coisa. Esse blog serve para compartilhar minhas experiências e opiniões com amigos e outros interessados - independente se estão na mão ou na contramão da sociedade (seja lá o que você quer dizer com isso).

      Ensinar a protestar?. Tô fora. Leitor não é rebanho. Segue-te a ti mesmo.

      Abraço! Tua opinião será sempre bem vinda.

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  5. Acho bastante complicado quando pré-fabricamos emoções ante algo que sempre nos fascinou. Não fui no show, não sei se ele é/foi ou não é/foi seja lá oque for. Mas vejo algo que acontece muito com as pessoas (o que eu entendi que o Ale quis mostrar), que é ter sentimentos pré-programados, pré-fabricados a frente de alguns espetáculos... Estes sentimentos pré-fabricados podem nos inebriar e fazer com que não façamos uma leitura fidedigna do que nossos olhos estão vendo e nossos poros sentindo. Sem falar de artistas que usam da história e de outros meios, além dos que considero ideais (presença de palco, espírito, crença nas suas palavras, paudurecência...), pra tentar sensibilizar ou sensacionalizar seu público. Alguém ter falado uma frase inteligente e incrível a 30 anos, não o credencia a ser eternamente inteligente e incrível, nem credência qualquer palavra/ato realizado a ser inteligente ou incrível.

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    1. Salve! Valeu pelo comentário, Gabi. É, o que menos se viu nessa noite foi paudurescência. Tudo muito calculado e burocrático, mas há os que gostam disso. Enfim, errei em ter ido, mas talvez só indo e vendo com os próprios olhos para descobrir que é assim.

      Abração!

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    2. Gabi... E existe alguma possibilidade de tu viver sem sentimento prévio..??? Pare de frescura.!
      Ter ido ao show, Ale, é o maior exemplo disso. Buscar em algo do passado alguma repetição de boas memórias afetivas. Ou seja, tu foi pq o The Wall sempre te causou boas sensações. Não se repetiu, pq o teu momento talvez seja outro e não pq o disco/filme/espetaculo seja outro.

      E esperem... Estamos falando de um show... Sensacionalizar é tudo que se espera desse tipo de evento. Não fosse assim ficariamos a vida toda ouvindo a mesma fita K7 engasgada.

      E mais uma vez... Uma frase inteligente, credencia alguem eternamente por ter dito aquela frase inteligente. Ter um histórico de projetos incriveis, credencia a ser um grande artista.

      A amargura do Ale me lembra a dos caras que acharam absurdo qdo Dylan trocou as cordas de aço pela guitarra eletrica. Na minha cabeça, a torrente é a mesma.!

      Por isso acho absolutamente injusto que qualquer um que não tenha vivido daquele momento, trace um perfil sobre ele. O Ale não gostou, e eu discordo de cada detalhe dessa descrição. Acho uma pena, pois gostaria do fundo do coração q ele tivesse gostado como eu gostei. Mas isso, é tão pessoal qto escolher nome de cachorro.!

      E se o Gilmour decepcionar tambem.? Vamos queimar nossos LPs.?

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    3. Grande Cocoon, gostei mto do teu comentário. Também gostaria de ter gostado do show, do fundo do coração. Mas não dá para controlar os sentimentos.

      Concordo contigo tb em relação às expectativas, a gente sempre traça expectativas, baixas ou altas. E tb acho q não devemos queimar os discos. O cara pode se decepcionar com um trabalho ou outro, mas isso não muda em nada a admiração dos trabalhos anteriores. Para mim, o cara continua sendo genial e vou continuar acompanhando tudo o que ele lançar.

      E concordo outra vez: talvez o meu momento seja diferente. Por outro lado, acho q o The Wall mudou tb, o espetáculo expõe diretamente opiniões políticas que, em outros formatos, são sutilezas. Para mim, isso é uma perda, pois não permite que o ouvinte projete as suas próprias questões ali ou viaje por outras interpretações. Ganhou em discurso, perdeu em poesia.

      Acho que o show evoluiu esteticamente, politicamente e ideologicamente no caminho inverso do q eu gostaria e não tenho como deixar de me espantar com isso. Não me encantou. Agora, para muita gente - a imensa maioria, pelo que percebo - as mudanças foram positivas. E tá mto bem q a gente consigo conviver com essas diferenças.

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  6. Eu concordo que a desorganização foi frustrante... mas nao dá para misturar as coisas... a responsabilidade foi da produtora brasileira que nao deu o respeito que deveria...

    Ja o show foi fabuloso, eu nao poderia discordar mais de voce. Foi uma celebração pura do The Wall, a comemoração dos 30 anos do filme. A opera rock atualizada sem perder seu espírito original! O muro que construímos com medo, os governos que celebram este medo! As pessoas amadas que perdemos nas guerras! Estava tudo lá!

    Sim, Waters é um egolatra. E quem nao é neste ramo??

    Sim, ele pode ter ficado mais rico com meu pobre dinheirinho - mas com certeza o "custo-benefício" pela qualidade do show foi infinitamente maior que os shows do U2 e outros que vi, que nao se deram ao trabalho de colocar um balãozinho e achavam que sua ilustre presença era suficiente pelo mesmo preço.

    A ilusão funcionou para mim. Eu tive minha pequena epifania religiosa de choro e lágrimas vendo o show... porque para mim o show foi fantástico... e foi ele que conseguiu isso... as 10hs de fila, os custos, a espera, tudo foi recompensado...

    Pena que para voce nao funcionou, amigo. Faltou um pouco daquela ingenuidade de quando éramos jovens e batucávamos "we don´t need no education" para os professores de segundo grau ou tentávamos sincronizar o Mágico de Oz com o Dark Side of the Moon...

    Abraço,

    Andrea H

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