sexta-feira, 22 de junho de 2012

Medo e delírio no Paraguai - Intro



Como alguns devem saber, passei quase o 2011 inteiro viajando pela América do Sul em condições franciscanas. Coisa de mochileiro burguês metido a aventureiro: pedir carona, andar em coletivos, ficar de favor em casa de moradores locais... Boa parte dessa viagem passei no Paraguai. Foram em torno de três meses entre o interior e a capital.

Devo dizer que saí de lá em surto psicótico e que tudo que consegui economizar durante a jornada já se consumiu há muito tempo em horas psicanalíticas e jogos suicidas. Nada disso foi responsabilidade do país, que sempre me recebeu muito bem – e é bom que isso fique claro. Por outro lado, não posso deixar de mencionar que há coisas que me dão uma visão conturbada dos fatos e fazem com que eu tenha de montar esse relato como quem monta um quebra-cabeça sem saber que peças deixou fora de lugar e que figura será revelada ao final.

Estava aguardando para escrever isso em uma hora mais oportuna, embora esse negócio de hora mais oportuna não exista. Como o bicho está pegando lá, resolvi começar de uma vez, e o que me importa nessa primeira postagem é refletir sobre a súbita aparição desse país na mídia com tanta força e porque tudo que está sendo noticiado tem tanto relação conosco.

É sabido que o Paraguai é uma ilha cercada de terra, e que um pedaço dessa terra que o circunda é nossa, como o Fantástico te faz lembrar de vez em quando, ao requentar pautas de contrabando de armas e tráfico de drogas.  Mas agora parece que a coisa ficou (mais) séria. O presidente Lugo está para ser defenestrado e cinco ministros já abandonaram o barco. Muito sangue foi derramado entre policiais e agricultores, e agora o presidente não pode ficar mais em cima do muro. Lamentar a morte dos colonos e ao mesmo tempo defender a força policial é uma contradição que não agradou a ninguém, e o lado mais forte está cobrando por isso.

Sim, porque nesse momento há só dois lados nessa história: o grupo que quer uma divisão igualitária de terras e o grupo que quer ver prosperar ainda mais o agronegócio – a decisão de transformar a zona de fronteira em uma franca área de agricultura mecanizada foi feita há décadas, muito dinheiro foi investido nisso e ninguém quer voltar para casa sem receber o seu quinhão.

Não é preciso dizer que o grupo do agronegócio é mais forte do ponto de vista econômico e político. A causa dos agricultores sem terra talvez tenha um contingente populacional maior a seu favor, mas é praticamente impossível fazer dois paraguaios concordarem sobre qualquer assunto, o que torna inviável pensar num movimento articulado nesse momento, apesar de existirem alguns grupos radicais mais coesos.

Talvez o pessoal do Jornalismo B saiba me explicar, mas eu não entendo porque uma informação não aparece nas coberturas midiáticas sobre a questão: o Paraguai é o segundo maior país a receber imigrantes brasileiros, perdendo apenas para os Estados Unidos. Sim, uma enorme quantidade de brasileiros, filhos da grande potência sul-americana, vai buscar seu sustento e criar seus filhos no Paraguai. Isso mesmo: é o primo pobre sustentando boa parte dos filhos desse pretenso pai rico.

E o que isso tem a ver com a tensão política desse momento? Não é só a preocupação com os brasileiros que agora lá estão que nos toca – pode acreditar que eles aprenderam a se virar sem nosso apoio há um bom tempo. O fato é que essa opção de modelo agrícola de monocultivo mecanizado tem empurrado cada vez mais paraguaios para fora do campo (e até mesmo para fora do país) e isso está no centro de toda a intriga de poder que acompanhamos agora. Aí está o ponto: essa opção foi implementada com a conivência e até mesmo com o apoio do governo brasileiro.


Quem aí já ouviu falar em brasiguaios? Não é estranho que filhos do Brasil, uma das maiores economias do mundo, precisem buscar seu sustento em um país vizinho considerado mais pobre?  E por que o governo paraguaio prefere que trabalhadores brasileiros ocupem suas terras, ao invés de trabalhadores paraguaios?

São essas e outras questões que pretendo tocar durante os relatos. Provavelmente não vou respondê-las, mas espero que tudo aquilo que vi e senti possa ajudar o leitor a buscar suas próprias respostas.

* Na próxima semana: realidades paralelas e universos alternativos sobre o Aquífero Guarani. Acompanhe as postagens pelo RSS, twitter ou facebook.

Imagens de Olmo Calvo

Um comentário:

  1. Parabéns. Tenho acompanhado as notícias de lá pela BBC Brasil e fico intrigada com as matérias produzidas (texto e vídeo) porque só os brasiguaios falam. E a pergunta é, o que os paraguaios dizem, porque o microfone não está na boca deles?
    e VIVA O PARAGUAI! Vamos acompanhar de perto.

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